quarta-feira, 5 de março de 2008

Uma breve história da ilustração

Com o surgimento, popularização e, por que não dizer, banalização dos recursos de computação gráfica para ilustração e produção de layouts, sobram opções de acabamento e edição, referências, possibilidades para experimentar e refazer.

Tudo o que contribui para execução de qualquer tarefa gráfica, é abundante para todos. Aos criativos e competentes fervilham possibilidades. Aos esforçados, sobram tutoriais, e aos menos aptos pipocam templates e cliparts.

Nem sempre foi assim. Até a modernização dos processos fotográficos e da impressão de offset, no que diz respeito ao design e a ilustração mais especificamente, os processos de impressão eram grandes limitadores do processo criativo e até mesmo do estilo, como veremos a seguir.

A Primeira “Publicação” ilustrada

Os Egípcios foram os primeiros a usar ilustrações em seus manuscritos.
Pode-se afirmar que a primeira publicação ilustrada da historia foi o Rev Nu Pert Em Hru (Capítulos do Sair à Luz ou Fórmulas para Voltar à Luz), popularmente conhecido como O Livro dos Mortos, que é uma compilação de ritos, feitiços procedimentos a serem realizados ao se entrar no pós-vida. Esses conhecimentos, em sua origem, eram pintados nas paredes de tumbas e posteriormente nos caixões ou sarcófagos e somente a partir da sua primeira versão em papiro, datada de aproximadamente 1300 a.C., é que as classes menos abastadas - sem recursos para caixão, sarcófago, quem dirá cripta, - puderam usufruir de informação e orientação “post mortem”. Qualquer pessoa poderia encomendar seu exemplar, determinando quais capítulos seriam inseridos, quantidade e qualidade de ilustrações, bem como metragem e altura do papiro (variando de 5 à 27 metros de comprimento e de 30 a 45 centímetros de altura).

Os Livros dos Mortos mais antigos eram projetados pelos escribas. Se o exemplar devesse ser ilustrado, eram deixados espaços em meio aos textos, os quais seriam preenchidos posteriormente pelo artista. As ilustrações gradativamente ganharam importância e dominaram o projeto gráfico do Livro dos Mortos. O artista desenharia primeiro todas as cenas deixando espaços para que o escriba as completasse. Não eram raros os casos que o espaço reservado aos textos era menor que o necessário e o escriba via-se obrigado a improvisar escrevendo nas margens do layout.



Papiro de Ani – 1420 a.C.

As ilustrações eram feitas a tinta preta ou marrom e depois eram aplicadas cores chapadas em branco, preto, marrom, verde, azul e amarelo. As convenções artísticas da época se caracterizavam por uma representação bidimensional do corpo humano, com o torso de forma geral representado frontalmente e a cabeça de perfil. Para mais informações sobre o Livro dos Mortos, clique aqui.


Papiro de Hunefer – 1370 a.C.

Os Manuscritos Iluminados e o termo “ilustrador”

Aos manuscritos ricamente ilustrados e adornados, produzidos desde o final do império romano e inicio da era Cristã até o advento dos livros impressos por volta de 1450 na Europa damos o nome de “Manuscritos Iluminados”. O brilho das folhas de ouro que comumente adornavam estes manuscritos, davam a sensação de que a pagina estava iluminada. Os Iluminadores (ou ilustradores) eram os artistas responsáveis pelo embelezamento das paginas.

Pouco sobrou dos rolos ilustrados da antiguidade clássica grega e romana, Devido à catastrófica destruição da biblioteca de Alexandria, mas os fragmentos remanescentes revelam ilustrações seqüenciais muito parecidas com as histórias em quadrinhos modernas.



A morte de Laocoon - Trecho do manuscrito remanescente mais antigo da era clássica e inicio da era cristã: O Virgílio do Vaticano - Ano 500 aprox.



O Livro de Durrow – ano 680. Padrões entrelaçados e espirais comuns nas iluminuras Celtas.


Os evangelhos de Lindsfarne – ano 698. Design simétrico e rebuscado tipicamente Celta com fitas e pássaros entrelaçados ao redor de uma cruz.


O livro de Kells – ano 800.


Expressionismo Pictórico Espanhol – ano 1407 - ilustração do Livro das Revelações.

Os escritos sagrados tinham grande significado para cristãos, judeus e muçulmanos e o uso do enriquecimento visual da palavra se tornou extremamente importante. As duas principais vertentes do que diz respeito à ilustração dos manuscritos, era a ocidental/européia, resultado da rica combinação resultante de influencias bárbaras e clássico-romanas, e a oriental dos paises islâmicos.


Manuscrito de Qur’na – ano 1739 – Pérsia (acima) Padrões intricados e cores vibrantes típicos da arquitetura e tapeçaria islâmica



O Padishanhnamah – ano 1700 – India.


O Advento da impressão e a Gravura

No inicio do século XV, a demanda por livros na europa aumentou significativamente. A classe média emergente e estudantes das Universidades que se espalhavam rapidamente tiraram do clero o monopólio sobre a educação e leitura, o que criou um grande mercado para a produção de livros, que ainda custavam muito caro (o equivalente a um pequeno sitio ou vinhedo). A produção manual de livros tornou-se insuficiente para atender às necessidades da sociedade e passou a ser feita em forma de linha de produção: as ilustrações começaram a ser pensadas para a reprodução em série e as gravuras passaram a ser o padrão desse novo paradigma. Foi então que a gravação em madeira ou xilogravura, que fora inventada na china no ano 300 a.C., foi adaptada por Guttemberg por volta do ano 1450 para a criação da Tipografia. A invenção dos tipos móveis alavancou a produção e a popularização de livros de livros na Europa. No que se refere à ilustração, um dos maiores nomes entre os gravadores dessa época foi Albrecht Dürer que atuou entre o final do séc. XV e inicio do séc. XVI.



Albrecht Durer – Os Quatro cavaleiros do Apocalipse – 1493

Entre o início da revolução industrial e os primeiros experimentos de sucesso em reprodução e impressão de fotografias, a produção de imagens para reprodução em série manteve necessidade de trabalho manual, sendo introduzidas apenas novas técnicas de gravura em metal e pedra como a corrosão, fotogravação e litografia.




Philippe Pigouchet – As Horas da Sagrada Virgem Maria – 1498



Lois René Luce – Essai D’une Nouvelle Tipographie – 1771

Litografia e Cromolitografia na Era Vitoriana

A técnica da fotogravação de matrizes litográficas e a evolução dos materiais e métodos empregados em litografia durante o século XIX possibilitou a impressão de imagens em varias cores, utilizando-se uma matriz para cada cor. Esse avanço da técnica foi chamado de Cromolitografia. A ilustração comercial conquista nesse período cada vez mais liberdade de criação. Surgiu a figura do cromolitógrafo que, após o trabalho do ilustrador, decompunha e transferia as ilustrações paras as pedras litográficas, esse trabalho exigia um estudo minucioso da ilustração para que os tons fossem escolhidos e reproduzidos da forma correta.

A cromolitografia caiu nas graças de editores e tipógrafos pois, além da melhora na qualidade das ilustrações, poderiam ser criados títulos e estilos tipográficos com toda a liberdade pelo artista ou ilustrador.



S.S. Fritzal e J.H. Bufford – poster para campanha presidencial – 1884


L. Prang Company – Miscelânea – 1880-1890


Krebs Lithografing Company – 1883


O Séc. XX

Antes da II guerra mundial, em geral os ilustradores haviam se mantido dentro do tradicional acadêmico/realista - imposta pelos grandes artistas renascentistas e vitorianos. A partir dos anos 20 se tornou mais comum entre os editores e agencias de publicidade um certo vanguardismo gráfico, e a ilustração começa e a explorar as novas linguagens visuais oferecidas os movimentos artísticos modernos, porem sempre com predominância do estilo acadêmico.



Berthold Löffler - 1907



Julius Gipkens - 1917


Lyonel
Feininger – xilogravura - 1919

A partir dos anos 40, com o estabelecimento dos movimentos artísticos surgidos até então, e durante a expansão comercial pos guerra, os artistas começaram a romper as tradições trabalhando de formas ainda mais expressivas e sintéticas, adotando para as artes gráficas e ilustração, novas práticas como por exemplo o uso de montagem e colagem - do cubismo e do surrealismo - e os experimentos cromáticos do fauvismo.



Austin Cooper – 1924



Austin Cooper – 1924



Joseph Binder - 1954

A cultura popular, principalmente as historias em quadrinhos, bem como a experimentação de diferentes técnicas de reprodução, também exerceu grande influencia no trabalho dos ilustradores. Essa fusão da tradição dos estilos clássicos com o experimentalismo técnico e artístico dos movimentos culturais da época, seja por imitação ou por um estudo realmente minucioso dessas referencias, contribuiu para uma crescente gama de estilos de ilustração. Selos, anúncios, historias em quadrinhos, ilustração de moda, cédulas monetárias, revistas infantis, livros técnicos, manuais diversos, são exemplos clássicos de modalidades de ilustração que são referencia visual de grande importância para o trabalho do ilustrador.

Ao mesmo tempo que a diversidade de estilos se expandia, havia os que diziam estar próximo o fim da necessidade de ilustração (!). A possibilidade da utilização da fotografia nos métodos de reprodução a cores e o fenômeno da televisão, pareciam apontar para um mundo onde a ilustração se tornaria obsoleta. Mas esses avanços, apesar do inegável e poderoso impacto sobre a sociedade, não foram suficientes para a substituir a mídia impressa e as artes gráficas. A televisão, pelo contrario, passou a empregar a ilustração para tudo, desde vinhetas de títulos até os noticiários e programas educativos, além de contribuir para a geração de diversos materiais impressos de apoio a sua programação.

Michael Kroning – 1983

Concluindo

Percebe-se, com este rápido panorama, a importância que a ilustração e o ato de projetar, ou de fazer Design, adquirem já no inicio do que podemos chamar de “historia da produção gráfica”. Uma historia que trata da adaptabilidade das necessidades às possibilidades.

A evolução desta história e o momento atual nos mostram também que, mesmo com o surgimento de tecnologias que permitam a produção quase instantânea de imagens outrora passíveis de serem produzidas apenas à mão ou por um profissional com conhecimento técnico-artístico especializado, ao designer-ilustrador, é perfeitamente possível manter seu lugar em meio à novas possibilidades e utiliza-las para enriquecer o seu trabalho.

Referências Bibliográficas:
Meggs, Philip B. A History of Graphic Design. Willey, 1998.
Zeegen, Lawrence. The Fundamentals of Illustration. AVA, 2005.

3 comentários:

Rebecca Agra disse...

Que post MARAVILHOSO!!! Parabéns!!!

Unknown disse...

Muito bom!! Adorei!
Parabéns pela busca!

Helô disse...

Nossa nem acredito que achei esse post! Me ajudou muito na minha monografia sobre ilustração na publicidade, colocarei uma referencia do seu blog lá. Valeu!!